terça-feira, 18 de novembro de 2014

Economistas divergem sobre bolha imobiliária no Brasil

Bolha apontada por Nobel de economia não é consenso entre economistas

 

Turma de Jornalismo Econômico 2014.1

 

Os crescentes preços de imóveis no Brasil têm levado especialistas e leigos a se questionarem se há ou não uma bolha imobiliária no setor. Desde 2008, imóveis subiram em média 203%, em São Paulo, e 252%, no Rio de Janeiro, de acordo com o índice FipeZap. Em comparação, no mesmo período, a inflação foi de 44% e a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) teve uma queda de 13%.

Mauro Osório, economista e professor da UFRJ, nega a possibilidade de bolha. “No Brasil, não existe mercado de derivativos vinculado ao setor imobiliário, como existia em outros países que sofreram com a crise do final de 2008”. Já para Samy Dana, professor de economia na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, a bolha existe, sim, apesar de já estar se dissolvendo: “Os preços subiram muito mais do que os salários, mais do que a inflação e que o PIB. Os preços passaram do limite do razoável.”

Nobel apontou bolha no Brasil     

O questionamento sobre a existência da bolha surgiu depois que o economista Robert Shiller, ganhador do prêmio Nobel de economia de 2013, visitou o país, no ano passado, e alertou sobre a atual situação do mercado imobiliário brasileiro. Shiller ficou famoso por prever a bolha da internet, no ano 2000, e a grande bolha imobiliária dos Estados Unidos, em 2008.

O economista encontra algumas semelhanças entre o caso americano e o brasileiro. A principal delas sendo o descolamento do preço de venda do imóvel em relação ao custo de construção do mesmo imóvel. Como no caso americano o acompanhamento desses dois dados é histórico, havendo dados concretos para pesquisa desde o século XIX, o Nobel pôde elaborar um estudo no qual observou o crescimento desenfreado dos preços imobiliários, enquanto o de construção manteve sua ascensão estável.

O alerta de Shiller sobre o Brasil foi feito com ressalvas, tanto pela falta de dados históricos e concretos a serem estudados, quanto pelo seu assumido desconhecimento da situação econômica no país.  Porém tal argumento de autoridade não poderia passar despercebido e levantou, aos poucos, a discussão em solo brasileiro. Os motivos de uma possível bolha passaram a ser investigados e debatidos por alguns dos principais especialistas no tema.

Dana explica que os imóveis têm se mostrado uma aplicação pouco lucrativa, atualmente: “Existe um desequilíbrio econômico: o valor de aluguel frente ao do imóvel representa 0,3%, dependendo da cidade. Qualquer aplicação de baixo risco paga mais que isso, até a poupança paga mais”. O professor aponta que apesar de não terem acompanhado o valor de venda dos imóveis, os aluguéis se tornaram mais caros, inviabilizando uma série de pequenos negócios, como padarias e cafés.

Ele vê ainda com certa preocupação o boom de crédito que o setor imobiliário vem recebendo nos últimos anos. "Para piorar houve uma transferência de crédito do banco para as imobiliárias." Enquanto alguns economistas encaram o superaquecimento do mercado, desde 2004, como natural, após um longo período de baixa atividade, Dana enxerga nessa transferência de crédito de bancos a imobiliárias, aliada à baixa educação financeira da população, um possível problema. “O crédito agravou a relação de preços. A população passou a ter acesso a imóveis, mas não pensou no preço por baixa educação financeira. Quando o governo dá subsídio num setor sem competitividade, o subsídio tem que ser para a população, não para as empresas.”

Já para o professor da UFRJ, mesmo que o crédito imobiliário tenha dobrado, recentemente, o Brasil ainda se encontra dentro de uma margem segura, com uma relação de crédito/PIB de 8%, ao passo em que diversos países apresentam valores de 20%. “O crédito imobiliário ainda tem espaço para dobrar nos próximos anos”, afirma Mauro Osório.

Ele também aponta o fato de as compras de imóveis no país ainda estarem associadas ao desejo da população em obter sua casa própria, e não a uma aplicação que vise o lucro. Com isso, a tendência é que a inadimplência aqui permaneça em níveis baixos.

Este é também o principal argumento do Banco Central, ao defender que o aumento dos preços de imóveis no Brasil é normal. Durante a divulgação do Relatório de Estabilidade Financeira da instituição, Anthero Meirelles, diretor de Fiscalização do BC, descartou a possibilidade de uma crise, no Brasil, semelhante à que ocorreu nos EUA.  Meirelles destacou que 90% das compras são para a moradia própria e que o crédito imobiliário no país ainda é pequeno, quando comparado a outras economias. “O aumento do preço dos imóveis tem sido compatível com o crescimento da renda, não há descolamento”, afirmou o diretor do BC, acrescentando: “Não há bolha imobiliária no Brasil. Não temos elementos que caracterizem bolha.”

Mesmo que concordem sobre a importância da expansão de crédito, o motivo da subida dos preços também não é unânime: Osório indica a importância do aumento da renda da população e a formalização de empregos, enquanto Dana diz que um dos principais motivos é a baixa educação financeira do brasileiro médio.

Outro professor da FGV São Paulo, William Eid, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 15 de maio último, defende que a bolha está sendo consumida pela inflação, uma vez que os preços começam a se estagnar, ao passo que a inflação continua estável, o que contribui para a diminuição da taxa de valorização dos imóveis.

Expansão de crédito via Fed

Luciano D´Agostini, pesquisador da UnB, em artigo publicado pela UFPR aponta que o principal fator para a criação e crescimento da bolha imobiliária no Brasil é a expansão do crédito, não só no país como no resto do mundo. Segundo D´Agostini, a fim de estimular a economia americana, após a crise de 2008, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) facilitou o crédito no país, despejando centenas de bilhões de dólares no mercado.

Segundo o economista, para impedir que houvesse uma enxurrada de produtos e investimentos americanos no mercado brasileiro, distorcendo os preços, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Ao mesmo tempo, buscou desvalorizar o real em relação ao dólar americano, barateando o crédito brasileiro com a diminuição da taxa Selic e, ainda segundo D´Agostini, expandindo a base monetária do real. Como resultado, mais recursos foram indevidamente alocados para o setor da construção civil, gerando a atual bolha. Para que a bolha se disperse seria necessária uma constante diminuição na expansão do crédito, o que diminuiria a bolha gradativamente, dispensando a necessidade de uma crise no setor.

Em uma pesquisa publicada pelo IPEA, em agosto de 2012, intitulada “Existe bolha no mercado imobiliário brasileiro?”, os pesquisadores Mário Jorge Mendonça e Adolfo Sachsida reiteraram a opinião de que há, sim, uma bolha. Eles apontaram para o desproporcional aumento do emprego no setor da construção civil e a expansão artificial de crédito, sem poupança como lastro.

Os dois economistas do IPEA assinalaram também que o aumento da taxa de juros poderia estourar a bolha, assim como ocorrido nos EUA, em 2008. Mas os danos causados à economia brasileira não se comparariam àqueles da crise americana, pois o acesso ao crédito no Brasil é mais restrito do que nos EUA. Segundo o estudo, a bolha teria sido causada por irresponsabilidade fiscal e monetária do governo brasileiro.

A falta de consenso é a principal característica do debate sobre a bolha no Brasil. Mesmo os especialistas adotam posturas cautelosas e, acreditando ou não na possibilidade de crise, defendem suas posições com ressalvas. Uma coisa é certa: ninguém poderá se dizer desprevenido se de fato ela vier a acontecer. Na medida do possível, precisamos estar preparados. 

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