quinta-feira, 10 de março de 2016

ENTREVISTAS: Economistas do mercado financeiro e da academia comentam o ajuste fiscal e a crise no Brasil

Em 2015, o país foi atingido em cheio por uma crise econômica que muitos especialistas disseram já ter sido esperada. A inflação ultrapassou os dois dígitos pela primeira vez desde 2002, chegando a 10,67%, com forte alta no preço da energia e da gasolina. O dólar se valorizou 48% frente ao real no ano passado, elevando os preços dos produtos importados. Para piorar, o país iniciou 2016 perdendo o selo de “bom pagador” de três agências internacionais de risco.

Pelas ruas, o otimismo de anos anteriores se transformou em falta de confiança. O desemprego no Brasil está prestes a alcançar 10% neste ano e a queda na atividade industrial mostra que as coisas podem piorar antes de melhorarem. Junta-se a isso um cenário político conturbado, com um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff e outro de cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara. E não termina: a Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, continua prendendo políticos, pessoas do alto escalão de partidos ligados à base governistas e grandes empresários.

Com o intuito de frear a recessão que assola o país, o Governo Federal pôs em curso um ajuste fiscal das contas públicas. O mecanismo pretende mostrar que o Brasil está “arrumando a casa”, cortando despesas e aumentando tributos. Só que boa parte do ajuste ainda não foi feita, mas os reflexos do “aperto no cinto” já são sentidos na população. Como isso afeta as universidades, em especial a UFRJ? E a pergunta que pouca gente se faz, mas que merece ser levada em conta: esse ajuste é realmente necessário? Para responder isso, foram ouvidos economistas do mercado e da academia, bem como os estudantes da UFRJ.

Álvaro Bandeira, economista-chefe do Home Broker Modal Mais e ex-aluno da UFRJ

Álvaro Bandeira: "Você tem que reduzir todos os gastos. Passagens aéreas, folha de pagamento nos governos. O cafezinho ser cortado, redução de pessoal, apagar a luz do ministério." (Foto: GloboNews/Divulgação) 


Boletim ECOnômico: O que é, em sua opinião, o ajuste fiscal que está em curso pelo Governo Federal?

Álvaro: O governo precisa primeiro domar o crescimento da sua dívida. E pra isso, ele precisa fazer superávit fiscal. Ou seja, gastar menos do que arrecada e pagar não só os juros da divida, mas também o vencimento de algumas dívidas. Você precisa equilibrar as finanças. Ou seja, não pode gastar mais do que está arrecadando. O governo arrecada com tributos e gasta com investimento, com custeio, com salário de funcionários públicos. Então precisa equilibrar suas finanças. Como no orçamento doméstico: você não pode constantemente gastar mais do que ganha com salário. Num primeiro momento você compensa isso com a emissão de títulos, e isso aumenta a dívida brasileira. Num segundo momento, as pessoas passam a desconfiar que você está muito endividado e passam a não emprestar mais dinheiro.

Boletim ECOnômico: O senhor é a favor desse reequilíbrio das finanças que o governo está fazendo?

Álvaro: Não desse que o governo está fazendo. Porque no meu modo de ver é muito tímido.

Boletim ECOnômico: O que o senhor faria diferente?

Álvaro: Precisa fazer um ajuste mais forte do que esse de meio por cento. Eu diria que você precisaria trabalhar com pelo menos 1.5% para estancar o aumento do endividamento. O caminho é esse, mas a medida é muito tímida. Os EUA fizeram recentemente um ajuste fiscal muito forte, cortando gasto de custeio e não no investimento. Porque quando você corta no investimento, você esta jogando pra frente um problema porque o país não estará preparado para crescer mais forte. Tem que cortar despesas de governo.

Boletim ECOnômico: Quais são esses cortes no custeio e no investimento que o governo faz hoje?

Álvaro: Reduzir a máquina pública, por exemplo. Fica complicado fazer isso com esse desemprego que tem hoje. Mas você tem que reduzir todos os gastos. Passagens aéreas, folha de pagamento nos governos. O cafezinho ser cortado, redução de pessoal, apagar a luz do ministério. Deixar de colocar dinheiro em empresa pública deficitária. Mas não cortar em investimento.

Boletim ECOnômico: As projeções para este e o próximo ano são negativas. O senhor concorda?

Álvaro: Concordo e acho que o FMI foi tímido. Normalmente esses organismos multilaterais, quando fazem suas projeções elas já são defasadas. A cada trimestre as projeções do FMI são revisadas. E provavelmente ainda vão piorar. Deve cai muito provavelmente mais do que 3% em 2016. E em 2017, se quiser começar estagnado tem que começar a ajustar a economia agora. Mas o segundo governo da Dilma está comprometido em 2015, 2016 e 2017.

Boletim ECOnômico: E os impactos para a população?

Álvaro: Você não pode tratar um paciente com problema grave de saúde com um analgésico comum. Todo esse ajuste leva a um comprometimento da sociedade. Mas se você faz o ajuste, a inflação para as pessoas de renda baixa é o pior dos males. A inflação está muito alta. As pessoas sofrem, mas o sofrimento deveria ser entregue como positivo mais pra frente. As pessoas estão sendo oneradas com tributos hoje, mas não veem isso se revertendo positivamente mais pra frente. O Brasil só sabe aumentar a carga tributária e a despesa de custeio. Não há beneficio para as pessoas.

Boletim ECOnômico: E os impactos para as universidades, no caso da UFRJ?

Álvaro: A gente vê que o setor educacional é muito carente. Falta verba, professores, estrutura, tecnologia e conforto. Esse setor precisa ter destinação maior de recursos, mas também ter uma distribuição bem fiscalizada. Vira e mexe falam sobre as classes altas pagar a universidade. Eu acho que já se pagam muitos impostos.

Margarida Gutierrez, professora do Instituto de Economia da UFRJ 

Margarida Gutierrez: "Temos que reverter os déficits primários. O ajuste tem que ser feito, não tem jeito." (Foto: Divulgação)


Boletim ECOnômico: Como você vê a forma com que o governo conduz o ajuste?

Margarida: Atualmente, existe apenas uma proposta de ajuste e o que foi feito de fato não podemos chamar de ajuste fiscal. Foram feitas algumas correções no seguro desemprego, na pensão por morte, impostos aumentaram – porque alguns dependiam de aprovação no Congresso e outros não -, houve uma desoneração da folha de pagamento. O Guido Mantega tinha proposto que as empresas não pagassem contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento e em vez disso pagassem um imposto de 1% a 2% sobre o faturamento. Já o Levi, enquanto era o Ministro da Fazenda, tinha proposto que passasse a alíquota de 1% a 2% sobre o faturamento para 2% a 4% dependendo do setor. O que está em curso são medidas que o Congresso tem que aprovar. Basicamente a CPMF que eu acho que hoje não vai aprovar. O Congresso “está brigando” com o Executivo. Existe uma questão política aí. O Congresso está dizendo que o Governo tem que cortar gastos e não aumentar impostos.

Boletim ECOnômico: E você concorda com o ajuste?

Margarida: O ajuste Fiscal é imprescindível porque a dívida pública brasileira em relação ao PIB é a mais alta entre os países emergentes, tirando a Hungria e a Ucrânia. E está em uma trajetória explosiva. Temos que reverter os déficits primários. O ajuste tem que ser feito, não tem jeito.

Boletim ECOnômico: Você está de acordo com as previsões negativas sobre a queda da economia?

Margarida: Concordo, são muito negativas. Nunca vi nada tão ruim. São dois anos consecutivos de queda do PIB em torno de 3,5% a 4%. Só tinha visto isso na Grande Recessão de 1929. O nosso desempenho este ano só não deve ser pior que o da Venezuela, que vive um verdadeiro caos, onde a polícia fica dentro dos supermercados para vigiar as pessoas que não tem dinheiro para comprar.

Boletim ECOnômico: O que se devia esperar do ajuste?

Margarida: Espera-se que este ajuste fiscal no curto prazo contraia gastos do Governo em permuta trajetória para que então os agentes econômicos recuperem a confiança na economia brasileira e voltem a investir e consumir.

Boletim ECOnômico: Quais os impactos para o ensino superior público?

Margarida: O Governo já partiu pra um corte bem pequeno de gastos, só economizando naquilo que ele pode cortar que representa 10% da despesa. Isso tem um impacto, como já está tendo, em todas as instituições. Resulta em menos verbas, menos bolsas de estudos, menos recursos para as universidades.

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