quinta-feira, 10 de março de 2016

“Não há nada igual desde 1930”, diz ex-economista-chefe do BNDES sobre a crise econômica brasileira

Com larga experiência no Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o economista Ernani Teixeira aceitou, sem questionar, o pedido de entrevista da equipe do Boletim ECOnômico. Em sua espaçosa casa, no Jardim Botânico, na Zona Sul do Rio, ele recebeu dois alunos da UFRJ para comentar a crise brasileira. Dono de um jeito singular de falar, alterando o tom de voz entre surpreso e incisivo, o professor voluntário do Instituto de Economia mescla seu discurso com críticas contra o Governo Federal, direcionadas ao mercado financeiro e até à imprensa. Ernani assume um tom pessimista ao avaliar o atual cenário, mas elenca medidas que poderiam evitar o aprofundamento da crise.

Ernani Teixeira: "O que tem que fazer é não fazer nada grandioso, não colocar medo nas pessoas" (Foto: Divulgação)


Boletim ECOnômico: Como você avalia os esforços do Governo Federal na aplicação do ajuste fiscal?

Ernani: Os credores do governo estão dizendo: “Nós não estamos afim de te emprestar mais!”. Então, ou você aumenta sua receita (criando impostos) ou corta gastos - demite, no caso de uma empresa. O governo representa 35% da economia e, se parar de gastar, o impacto é monumental. Desencadeia o que chamamos na economia de efeito multiplicador. Isso tem implicações sistêmicas: as pessoas param de gastar. E então o que pode acontecer? A receita do governo pode cair. Se você estiver desempregado, vai parar de gastar e de pagar impostos. Foi o que aconteceu no Brasil no ano passado, quando a receita do governo caiu barbaramente, muito além de qualquer expectativa. Agora, o governo resolveu cortar gastos, subir as tarifas, com 50% de aumento na conta de luz e isso impactou todo mundo. A inflação subiu, o Banco Central elevou as taxas de juros. Sem contar com a Lava-jato. A economia não suportou e despencou. Depois que você desencadeia um processo multiplicador negativo em que as pessoas estão parando de gastar o que acontece? Como parar? O que tem que fazer é não fazer nada grandioso, não colocar medo nas pessoas, porque com medo, elas passam a gastar menos. Deve-se fazer coisas mais calmas e tentar ver se as pessoas começam a gastar um pouquinho mais. E a economia para de cair? Para. O problema é não saber onde e nem quando. Nós estamos assistindo a um fenômeno no Brasil que não tem precedência histórica, nunca aconteceu nada parecido. E o pavor que a imprensa impõe nos brasileiros ganha enormes proporções.

Boletim ECOnômico: E o senhor concorda com todas as medidas que estão sendo anunciadas desde o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy?

Ernani: O Levy tinha uma visão muito do que ele passou em 2002, 2003. Quando o Lula assumiu, o dólar custava R$ 4, o que era R$ 6 ou R$ 7. Eles fizeram um ajuste absurdamente pesado e a economia foi ao chão, mas a situação internacional ajudou muito. A Petrobrás não estava quebrada, os chineses vieram comprar, os preços das matérias-primas subiram, o minério de ferro não valia nada e em pouco tempo “virou ouro”. O petróleo foi a R$ 150. Entrou dinheiro e a economia foi retomando aos poucos. Como o Brasil estava bem ajustado, os credores queriam emprestar. O dinheiro sobrou e o Lula foi pagando a dívida externa. Acharam que o ajuste era mecânico, que é simplesmente fazer de novo. Mas na economia o que vale em uma hora, não vale na outra. A Dilma fez muita coisa errada. Ela fez um horror dentro da Petrobras e do setor elétrico. Para quê? Para nada. Eu sou a favor de um governo ativo, mas você vai dar um subsidio para quê? Boa parte do que ela fez não precisava. Assumiu o governo, abaixou os impostos para empresas, mas sem impacto nenhum. Quando fizeram as contas para o ajuste, eles não achavam que a economia iria para o buraco. Os caras fizeram as contas e acharam que a queda era “X”. Não levaram em conta a Lava-jato, que “comeu” 1 ponto percentual do PIB. Eles perderam R$ 100 bi. É a pior recessão na história brasileira, não tem nada parecido com isso. Crise antigamente vinha de fora, como a do petróleo ou da dívida externa. Essa crise que estamos vivendo é interna. A economia está numa situação precária desde 2008, mas o governo tinha segurado razoavelmente bem e agora deu um tiro no pé. E quanto mais faz, mais a economia vai para o buraco, maior é o déficit fiscal. E a imprensa e os partidos de oposição dizem: “agora tem que fazer mais um ajuste fiscal”. O jeito é fazer um “cosmético” para as empresas segurarem “um pouco a onda” e parar num nível melhor do que ela pararia.

Boletim ECOnômico: O senhor diz, por exemplo, o anuncio de mais um PAC ou algo nesse sentido?
 
Ernani: Anúncio de PAC, de crédito ou alguma coisa do tipo. Qualquer coisa para dar um pouco mais de entusiasmo, porque a economia continua afundando. Alguns setores seguraram um pouco, como o consumo das famílias. Mas tem muita coisa quebrada, as empreiteiras todas estão quebradas, várias empresas estão quebradas. O problema é: por quanto tempo? O ajuste fiscal é uma tragédia. Muita gente está desempregada. E vai continuar. Na verdade é uma depressão que estamos em 2015 e 2016 onde não há nenhuma experiência histórica que se assemelhe desde 1930.

Boletim ECOnômico: Então você está dizendo que não existe um antídoto certo que vá resolver todos os problemas. Nós estamos vendo alguns prognósticos do FMI e Banco Mundial sobre mais recessão, que apontam para mais problemas até 2017. O senhor concorda com essas estimativas ou elas são pesadas demais?

Ernani: Dois anos de recessão só houve no Brasil em 1930 por causa da crise do café e o crash internacional. A economia caiu ao longo de 2015. Então se você estabilizar em dezembro – o que não deve acontecer –, ela deve cair entre 1,5% e 2%. O que eu quero dizer com isso? O fundo monetário está falando em 3,5% de novo. Há anos que ninguém acerta nada. O mínimo vai ser -1,5. Tudo vai depender se o Nelson Barbosa e a presidente tiverem um comportamento razoável e conseguirem estabilizar um pouco o gasto, não fazendo nada de absurdo. “Ah, vou tirar a possibilidade dos funcionários públicos poderem se aposentar aos 60 anos...”. Ótimo, mas qual a importância disso no curto prazo? Nenhuma. É apenas cosmético. Se o governo for bem sucedido, acho que a economia cai entre 2% e 2,5%. Se tiver alguma complicação pelo caminho – alguma empresa importante quebrar, a presidente cair – pode ser que o buraco seja pior. Em última instancia, o que estou falando é: a previsão do fundo é ruim, eu diria que talvez ela esteja pessimista. É como se estivéssemos voando em um avião a 800 km/h e o piloto resolver ir ao banheiro em meio à tempestade.

Boletim ECOnômico: Dava para manter a política anticíclica do ex-ministro Guido Mantega?

Ernani: A Dilma fez um arrocho fiscal muito pesado no início do governo dela, pegando a economia com crescimento de 7%. Em um ano, ela se apavorou e pegou crédito com o BNDES a 2,5% ao ano, com taxa de juros fixa. Estou dando exemplo do que eu acho que está errado e que ajuda a pavimentar a fragilidade fiscal brasileira. Devia ter feito o ajuste das tarifas? Sim. Mas em vez de dar um choque de 50%, faz progressivamente. De tal maneira que o Banco Central não precisasse subir tanto as taxas. Você podia fazer um ajuste de dois anos, que eventualmente teria um custo fiscal maior, mas que teria resultado em uma situação menos ruim do que a de hoje. A Lava-Jato teria vindo, Marcelo Odebrecht estaria preso, gerando esse pânico. Mas o governo não estaria movimentando a economia para baixo dessa forma e seguraria mais as expectativas. Há um problema sério de grau e de diagnóstico. Eu não teria feito da forma que foi feito. Eu gosto mais do estilo desse cara (Nelson Babosa), que vai mais devagar, calminho. Mas agora, a besteira está feita. Não dá pra refazer o passado. Mas dá para administrar isso de forma diferente. Ela foi eleita e reeleita, o que significava que havia prestígio, capital político. Mas ela queimou o capital político todo de uma vez, o que gera uma crise política nada trivial. Isso torna os mecanismos de resolver as coisas piores. Eu teria proposto uma coisa muito mais leve. Eu não teria feito uma concessão tão grande aos conservadores, mas alguma concessão precisava ser feita. O problema agora é o pânico. Não um pânico financeiro, mas das pessoas. Eu tenho medo do que pode acontecer.  Em 2008, tinha-se um presidente aberto no quesito de políticas econômicas, com enorme prestígio e um Estado financeiramente bem. Quatro anos depois acontece uma desgraça monumental.

Boletim ECOnômico: De que forma o ajuste fiscal impacta nas universidades federais, incluindo a UFRJ?

Ernani: Significa falta de grana. As universidades não vão ter o orçamento que elas estão acostumadas a ter. As universidades federais cresceram muito nos últimos anos. Significa que não haverá reforma do bandejão, não haverá reforma no alojamento. Vai haver uma deterioração das condições físicas. Semestre passado quando fui dar aula, a faculdade estava fechada. Não havia limpeza, não tinham terceirizados. Isso vai se tornar mais frequente.

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