segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A solução da crise é política

A crise econômica pela qual o país está passando tem origem política, como apontam dois economistas. João Sicsu, ex-diretor do Departamento de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fala sobre a falta de legitimidade do governo Temer e sua consequente falta de confiança de setores da sociedade, afetando a estabilidade econômica. Já David Kupfer, diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acrescenta entre os culpados pela crise também estão o esgotamento do modelo econômico vigente e decisões políticas e econômicas erradas e adotadas nos últimos anos


A crise econômica afeta diferentes pontos de investimento social, inclusive a educação, nas instituições federais de ensino. Kupfer diz ao Boletim ECOnômico que há um desfinanciamento que está acontecendo atualmente nas Universidades Federais, que receberam muito incentivo nos últimos anos. Sicsu prevê que, em 10 anos, o investimento na educação superior será 70% menor, se a Proposta de Emenda Constitucional de controle dos gastos públicos for aprovada.  A seguir, as entrevistas concedidas pelos dois especialistas a esta edição do Boletim ECOnômico. 

David Kupfer
Diretor do Instituto de Economia da UFRJ

            A origem da crise é política e a solução também

Boletim ECOnômico – Qual é a origem da crise econômica pela qual o país vem passando?

David Kupfer – A crise econômica brasileira tem múltiplas origens. Pelo menos em três ordens de geratrizes. Uma primeira questão relevante diz respeito ao esgotamento de um determinado modelo de estabilização econômica que foi adotado após o Plano Real, que trabalhou e trabalha com um mix de uma âncora nominal e uma âncora cambial, que exige que a economia funcione com taxas de juros muito elevadas e com taxas de câmbio muito apreciadas. Esse mix macroeconômico traz uma grande restrição ao processo de investimento e faz com que a expansão de oferta potencial ou tendencial na economia brasileira fique sempre abaixo do necessário para permitir uma expansão sustentável da economia.
Esse mix macroeconômico por diversos momentos mostrou-se bem-sucedido no seu objetivo principal, que é o controle de preços. Mas colocava em oposição a estabilidade monetária e o crescimento da economia, condenando a economia ao processo de stop and go, que é também como efeito de segunda ordem muito ruim para a tomada de decisão empresarial referente ao investimento, porque o stop and go normalmente cria expectativas muito negativas no que diz respeito a visões de longo prazo. Então, a economia se aprisionou nessa condenação macroeconômica e não encontrou, historicamente, nesses últimos 20 anos, uma saída firme para essa espécie de armadilha. As tentativas de políticas econômicas que modificassem esse mix, de modo geral, tinham que ser revertidas porque rapidamente geravam uma tendência de descontrole da inflação e obrigava a que se retomasse o aumento da taxa de juros e, por sua vez, como efeito imediato, um processo de apreciação cambial que acabava colaborando para segurar os preços, mas gerava uma nova rodada de desestímulo ao investimento, e assim sucessivamente.
Esse mix macroeconômico tinha um lado positivo, um lado negativo e uma espécie de equilíbrio; fazia com que se alternassem pequenos vôos de galinha com momentos de necessidades de contrair a economia. Mas o grande problema foi motivado pelas diversas decisões de política econômica que se mostraram equivocadas, insuficientes ou excessivamente instáveis que foram sendo tomadas em sequência pelo governo. Então, basicamente o período correspondente ao governo da presidente Dilma foi de decisões de política econômica muito erráticas, muito improvisadas, muito de empurrar problemas com a barriga, de tomar uma decisão depois tomar uma decisão contraria, enfim, uma sequência de mudanças de política que realmente desestruturaram a economia.
Então, quando a gente chega em 2014, que é um ano eleitoral e, no caso brasileiro, costuma ser um ano de acirramento em função das diversas dicotomias com que se estrutura o processo político brasileiro, com uma economia muito frágil já com descasamentos importantes do lado do gasto público, da receita pública; quanto do lado também do investimento e do consumo.  Isso levou a que, finalmente, em 2015, já no segundo governo Dilma, decisões de busca de correção de rota muito incompreensíveis fossem tentadas. A tentativa de um choque fiscal de grande proporção sem nenhum tipo de base política para sua realização e, posteriormente, as diversas tentativas levaram a um quadro de estruturalização de uma crise que, de fato, tinha um componente conjuntural mais importante do que acabou se revelando.

B.E. – Como essa crise afeta a universidade pública federal, em particular a UFRJ?

D. K. – Eu acho que ela afeta a universidade pública federal porque nós, como universidades federais, somos extremamente dependentes da capacidade de gastos públicos. As universidades têm um financiamento orçamentário, fundamentalmente, essencialmente, um financiamento orçamentário e elas dependem das despesas correntes de governo para sua manutenção. E como o sistema universitário vinha em expansão, obviamente uma reversão brusca, particularmente da capacidade de arrecadação, a entrada em déficit do setor público e as decisões de contenção fiscal das despesas dadas como não discricionários, que é a margem de manobra que fica para o governo – e que são muito reduzidas – levaram a um desfinanciamento da universidade. E isso é o que nós estamos vivendo nesse momento. A universidade trabalha com recursos insuficientes para a reprodução de suas atividades, para a mera reprodução, muito menos dar suporte ao processo de expansão em curso.
A expansão que se promoveu do ensino universitário via Reuni, Prouni e outros programas que também envolvem financiamento estudantil, ela não era apenas uma expansão nomotética. Era uma expansão que gerava custos em média crescentes, pelo fato de que a universidade estaria incorporando uma regionalização mais intensa, uma descentralização que é mais custosa. É mais caro fazer universidades em muitos lugares do que fazer uma grande universidade em um lugar só. Então essa descentralização aumenta os custos do sistema. A incorporação de alunos que dependem de bolsas e outras formas de assistência estudantil, seja pela criação de novos cursos que atraem esses alunos, seja pelas cotas, enfim, não interessa quanto cada um contribuiu para qual, mas também aumenta o custo de reprodução do sistema e, portanto, a crise fiscal vem em um momento em que a universidade estava extremamente dependente de reforços nos seus mecanismos orçamentários. A crise fiscal do Estado brasileiro se manifesta e está se manifestando de forma ampliada na universidade nesse plano fiscal.
E ademais, no caso específico da UFRJ, eu acho que tem de ser levado em consideração que a UFRJ, dentre as diversas universidades federais, é a maior. Mas isso não justifica o fato de ela ter a condição financeira tão pior comparativamente a de outras universidades. A situação financeira da UFRJ, antes da crise fiscal, já era muito ruim, já era um quadro em que a Universidade estava com um passivo importante. Parte dele pelo fato de os recursos recebidos para expansão não produziram, não se tornaram de fato novas construções. A maior parte das instalações prediais não foi concluída, as obras ficaram pela metade, outras foram interrompidas. Então, a Universidade já entra nesse momento de contração fiscal mais frágil porque ela tinha um balanço pior do que a média das universidades federais. Para a UFRJ, a crise tem sido muito intensa e a gente tem percebido isso na carne, na pele.

B.E. – Quais seriam as medidas para nós, dentro da universidade, tentarmos amenizá-la?
D.K. – Não há de fato, dado o grau de desfinanciamento da Universidade, não vejo ações que se possam tomar e que tenham efetividade no seu reequilíbrio orçamentário. Evidente que nós temos dificuldades no pagamento de contas de luz, de diversas despesas correntes, e que poderiam ser reduzidas, a partir de esforços de racionalização de uso e redução de desperdícios, que têm que ser feitos, mas isso vai gerar uma contribuição de pequena monta, dado o tamanho do déficit existente. Não estou dizendo que a gente não deva, a gente tem que fazer de fato um grande esforço de economia dos recursos desperdiçados, mas isso não vai ter efetividade. A solução exige a negociação de uma transição e que se faça um reequilíbrio das finanças da universidade e a atribuição de novos critérios orçamentários e um processo de planejamento mais efetivo, que na UFRJ é muito incipiente. A UFRJ já há muito tempo não consegue planejar a sua vida, principalmente o processo de alocação de recursos. E de modo geral não está ao alcance nosso gerar recursos no montante necessário a devolver a Universidade ao clima de normalidade orçamentário financeira.

B.E. – E para o pais como um todo, quais seriam as medidas para voltarmos a crescer?
D.K. – Estão relacionadas a um tal conjunto de transformações necessárias que, de fato, são difíceis de serem descritas como uma resposta a uma pergunta. Nesse momento, o país precisa encontrar uma solução para o desequilíbrio fiscal que se construiu. Independentemente de se considerar que seja o déficit primário ou o déficit nominal; se é o pagamento de juros, se não é o pagamento de juros, não há espaço para uma transformação abrupta nos fatores geradores do gasto. Não adianta num sistema financeiro integrado, em que o Brasil é extremamente aberto, no plano financeiro, o que não permite que se tenha qualquer margem para reestruturar essa dívida financeira. A dívida, os gastos orçamentários são rígidos e dizem respeito a programas que ou são constitucionais ou são vinculados por diversos meios e que não têm muita margem de manobra para serem contraídos. Tampouco é desejável que seja feito, porque esses gastos estão diretamente relacionados a direitos da população, direitos do trabalhador e assim sucessivamente.
E aí sim, a nível do país, eu acredito que haja espaço para um esforço importante de racionalização desse gasto público. Quer dizer, tentar aumentar a produtividade de cada real que é alocado pelos governos, seja o central, sejam os subnacionais, na proporção de suas finalidades. Então, aumentar a efetividade de cada real gasto em saúde, na promoção da saúde; a efetividade de cada real gasto em educação, na promoção da educação.
Eu talvez seja um pouco iluminista. Acredito que há um espaço racional de trabalho e que, diferentemente do que acontece no âmbito interno de uma universidade, mesmo grande como a nossa, possibilitaria algum tipo de resultado significativo. Mas não deixaria de ser uma contribuição relativamente secundária.
Eu entendo que algum tipo de reforma tributária teria que ser feita, particularmente utilizando o espaço de arrecadação que existe. Se a gente conseguisse trocar o nosso sistema tributário, extremamente regressivo, para um sistema tributário mais progressivo, em que o peso do imposto indireto fosse menor e o peso do imposto sobre a renda fosse maior. Há contas e mais contas que mostram que isso teria um impacto pequeno e contas que mostram que isso teria um impacto gigantesco. Assim, trabalhando com números médios a gente poderia ter um incremento de receita importante para esse momento, em que a crise fiscal é de fato o maior impedimento à estabilização e ao retorno do crescimento no país.
No entanto, o que a gente precisar atentar é o seguinte: há um problema de ovo e galinha aqui. O crescimento só vai voltar quando o investimento retomar. A variável econômica que produz crescimento é a formação de capital, mas, ao mesmo tempo, no sistema capitalista privado, que visa o lucro, o investimento só vem com força quando a economia está crescendo. Então, como conseguir que haja investimento em uma economia que não está crescendo indica a necessidade de pactuar uma política econômica, não é uma política econômica genial, não é um ovo de Colombo que alguém vai achar; alguém vai propor ou descobrir uma fórmula genial que vá resolver os problemas. O mais importante é a capacidade de uma linha política estabelecer um nível de coesão que faça todos remarem na mesma direção. E isso é evidentemente, fundamentalmente político. A coesão política é que vai tirar o Brasil da crise. E isso é muito preocupante porque nossa coesão política já é mínima e mostra que está em deterioração, tanto como estava nos momentos finais pré-abertura do processo de impeachment, como continua em deterioração no governo interino. E, portanto, não consigo enxergar nessa dinâmica política atual uma saída para essa crise.
Qual é a aposta? É sobreviver até as eleições de 2018 e que, até lá, a sociedade consiga se organizar politicamente e colocar em perspectiva as possíveis soluções para a saída da crise. Agora, estou totalmente convencido que uma parte grande da crise teve origem política e, portanto, a saída vai ter que depender de uma transformação política muito importante.

PEC de Temer reduz investimento na educação em 70%, diz especialista

Uma Proposta de Emenda Constitucional limitando os gastos do governo entrará em vigência em 2017, se aprovada pelo Congresso Nacional. O novo ministro da Fazenda do governo Temer, Henrique Meireles, quer que as despesas primárias do governo sejam limitadas pelo percentual da inflação do ano anterior, medida pelo IPCA. Essas despesas são os gastos governamentais, excetuando as despesas financeiras. Essa emenda, se aprovada, será válida por 20 anos, permitindo alterações no 10º ano de vigência.

Considerando a proposta, o economista e ex-diretor do Ipea, João Sicsú, professor licenciado da UFRJ, faz uma simulação e alerta: o investimento nas instituições de ensino federais seria hoje 70% menor se essa regra já estivesse em vigência. Dessa maneira, em 2015 a educação federal deixaria de ter recebido R$ 72,3 bilhões de reais. Para o professor,, a saída do país não é essa: “Se a política de governo é uma política de apequenar o país diante da crise vai acabar apequenando as universidades também”.

Aluno da UFRJ nos anos de 1970, Sicsú frequenta a Universidade há quase meio século e lembra o período mais complicado em que “vi situações gravíssimas, nos anos 80 e 90, dentro da universidade, não tinha papel, não havia carteiras suficientes para todo mundo sentar, não tinha dinheiro para pagar energia elétrica e metade das lâmpadas das salas foi arrancada para economizar”. Já como professor, observa que o melhor período foi entre 2005 em 2012, onde a evolução foi incomparável com qualquer período anterior: o investimento cresceu e o número de alunos praticamente dobrou, em instituições de todo o país.

“Tudo indica que podemos entrar em uma fase de retrocesso, com a proposta de limitação dos gastos de governo considerando a inflação”. Na sua opinião, o pensamento é que não se deve medir os gastos de acordo com a inflação, mas com as necessidades reais da sociedade. “Qual a relação preço da cebola, da passagem (que determina o valor da inflação anual) com o quanto o governo gasta em vacina ou construindo de uma universidade? Uma coisa não tem nada a ver com a outra.”, acrescenta. Se em 10 anos o investimento diminuísse 70% na educação, o questionamento sobre o que aconteceria com a universidade daqui a 20 anos fica evidente.


A proposta é uma medida do governo interino para vencer a crise econômica. Crise esta que, segundo o economista, tem origem na política. Assim como outros importantes fatores como o Judiciário, o poder de compra, relação do Brasil com o mercado externo, instabilidade no governo significam fragilização econômica. A incerteza de um governo provisório e a falta de confiança em como ele se instaurou são, segundo ele, fatores complicadores “Esse governo que está aí prolonga a crise politia, tem legitimidade nula, não teve nenhum voto”, afirma Sicsú.

Para sair deste quadro, o professor fala em criar políticas para aumentar os direitos sociais, trabalhistas, previdenciários, aumentando, assim, a confiança da população no governo e alavancar a economia. O economista diz que a grande riqueza do Brasil está na produção nacional, vasta a diversificada. Como produção entende-se todo o contexto, incluindo empresários e trabalhadores, que beneficiados com programas de crescimento, passam a confiar na política do Brasil, alavancando a economia. 

3 comentários:

  1. gente, muito legal a matéria e o blog!! façam um facebook para facilitar a comunicação!! demais!

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    1. Salve, Gisele, muito obrigado e tentaremos, sim, criar uma página no face, mas é tarefa para a próxima turma de Jornalismo Econômico.

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