quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

MUSEU NACIONAL: PERDA E RESPONSABILIDADE

02/09/2018. Uma data que ficará na memória negativa dos cariocas. Os três andares do Museu Histórico Nacional – fundado em 1818 por D. João VI, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 1946 – foram destruídas pelas chamas que se alastraram por volta das 19h.
Nele, estava abrigado um acervo de 20 milhões de itens, incluindo documentos da época do império; fósseis; coleções de minerais; artefatos greco-romanos; e a maior coleção egípcia da América Latina. Dentre seus itens mais conhecidos, estavam o esqueleto de um dinossauro encontrado em Minas Gerais e o mais antigo fóssil humano descoberto no atual território brasileiro, batizado "Luzia". Trata-se da instituição científica e do museu mais antigos do Brasil, tendo neste ano completado seu bicentenário, com visitação média mensal de 5 a 10 mil pessoas.
Após três meses do maior desastre cultural do Rio de Janeiro, as perguntas ainda são as mesmas: quais as causas do incêndio? O diretor-adjunto do Museu Nacional, Luiz Fernando Dias, em entrevista à GloboNews, afirma que houve um “descaso” de vários governos com o patrimônio histórico. Segundo ele, há anos a instituição solicita recursos e verbas para se reestruturar.
"Passamos por uma dificuldade imensa para a obtenção desses recursos. Agora todo mundo se coloca solidário. Nunca tivemos um apoio eficiente e urgente para esse projeto de adequação do palácio, para retirar a administração, arquivo e centro acadêmico do palácio."
De acordo com o diretor do Museu, além do inimaginável prejuízo histórico, há ainda a destruição de diversas carreiras de profissionais que se dedicavam àquele espaço. Perdas que, possivelmente, não terão reparação. "Tudo isso traz junto a destruição das carreiras de cerca de 90 pesquisadores que dedicavam a sua vida profissional dentro daquele espaço.Todo o arquivo histórico, que estava armazenado em um ponto intermediário do prédio, foi destruído. São 200 anos de história que se foram", lamentou Luiz Fernando Dias Duarte.

NEGOCIAÇÃO COM O BNDES
Em junho, junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a direção do Museu Histórico Nacional buscou um investimento de R$ 21 milhões para revitalizar o prédio histórico, bem como seu acervo e espaço para exposições.
Nos trâmites, o BNDES havia garantido que uma parcela da quantia seria liberada para garantir que a direção do museu viabilizasse a retirada do acervo que continha produtos inflamáveis no prédio histórico. Na lista, eram animais que ficavam mantidos em frascos com álcool e formol.
No entanto, a tragédia já era anunciada. A outra parte do acervo inflamável do museu ainda estava no seu interior. A parte total da verba para a revitalização do patrimônio histórico só seria liberada após as eleições presidenciais. Não deu tempo, o que era histórico se transformou em cinzas. E o descaso ainda se faz presente nas investigações.
A RESPONSABILIDADE DA UNIVERSIDADE
Com a decorrência da tragédia, muitos dados sobre o orçamento da UFRJ foram compartilhados, tanto nas redes sociais, quanto nos principais veículos de comunicação. Repentinamente, surgiu uma série de números que pautavam as diferentes opiniões, dos que fossem contrários à culpabilização única e exclusiva da Universidade e dos que a atacavam. Portanto, há de se separar o joio do trigo para discernir as verdades e os dados inventados. Os dados apresentados abaixo são pautados por pesquisas e relatórios do SIGA BRASIL, sistema de informações sobre o orçamento público federal, que permite acesso aos dados do SIAFI, principal instrumento de registro, acompanhamento e controle do processo orçamentário.
A Universidade enquanto órgão engloba duas Unidades Orçamentárias: a UFRJ e o Complexo Hospitalar da UFRJ, que recebem repasses orçamentários via Ministério da Educação. Essa dotação é determinada pela Lei Orçamentária Anual, aprovada pelo Congresso Nacional no ano anterior a sua vigência. O Museu Nacional é entendido como uma Unidade Gestora, que faz a administração dos recursos próprios ou descentralizados pela UFRJ. A Universidade, por sua vez, não tem ingerência sobre o valor total aprovado pelo Congresso. O valor real liberado para o orçamento é uma parte da dotação inicial, disponibilizado pelo Executivo ao longo do ano.
Para descentralizar parte do orçamento total, a Reitoria vigente em 2009, em conjunto com responsáveis por cerca de 60 Unidades Gestoras ligadas à Universidade, decidiu implementar o Orçamento Participativo. Sendo assim, o orçamento divulgado pelos principais meios de comunicação como o orçamento total repassado ao Museu representava, na verdade, apenas a verba descentralizada pelo Orçamento Participativo - a dotação autônoma.
Contudo, esse valor exclui todas as despesas com pesquisadores, professores, técnicos e demais servidores federais, e outras despesas correntes, como limpeza, energia elétrica, manutenção de elevadores, vigilância e demais serviços terceirizados, que são pagos diretamente pela UFRJ, sem constar no orçamento público do Palácio da Quinta. Por não ser integralmente gerido pelo Museu, não foi possível identificar o dispêndio total dessa unidade — que segundo a Reitoria é estimado em R$ 7 milhões.
 No exercício atual, o orçamento total da UFRJ autorizado chegou a R$ 3,76 bilhões, sendo R$ 3,18 bi para a Universidade e R$ 576 milhões para o Complexo Hospitalar. Em média, no período de 2013 a 2018, a Universidade compôs 85% e o Complexo 15%. O orçamento do Museu diz respeito apenas à parcela do Orçamento Participativo destinado ao Museu, deixando de fora parte das outras despesas correntes pagas diretamente pela UFRJ.
Em 2013 percebe-se que a Universidade apresentou queda no seu orçamento, contudo, a situação do Museu foi ainda mais desfavorável. Em 2015, por exemplo, a despesa destinada para o patrimônio cultural foi 68% menor que em 2013, enquanto que o da UFRJ foi 12% menor. Analisando a despesa liquidada do Museu até o final do mês de agosto, esta foi significativamente menor em 2018 se comparada com os outros anos do período. Em 2013, a despesa até agosto chegou a R$ 275 mil, caindo para R$ 73 mil no atual exercício.
Entre 2013 e 2017, o gasto com investimento na Universidade diminuiu em 89%, ou seja, R$ 48,4 milhões e, em 2018, houve uma manutenção da trajetória decrescente do investimento na Instituição. Já o histórico do Museu Nacional mostra que o gasto com investimento aumentou cerca de 200% nos últimos cinco anos e chegou a R$ 151 mil, em 2017. Até o 4° bimestre de 2018, o investimento no Palácio da Quinta foi de menos de R$ 3 mil. Logo, percebemos que até o exercício anterior, houve um aumento do peso do investimento do Museu no investimento total da Universidade, ainda que este tenha sido insuficiente.
As Terceirizações e Manutenção de Bens Imóveis são gastos que impactam diretamente na capacidade de manutenção da Universidade. A respeito da despesa liquidada com terceirizações, de 2014 para 2015, tal gasto passou de R$ 7 milhões para R$ 52,5 milhões, aumento de aproximadamente 640%. Em relação à manutenção de Bens Imóveis, nota-se uma queda significativa da despesa, tanto no Museu quanto na UFRJ.
No Museu, esse fato chegou ao extremo, não havendo despesa com a manutenção de bens imóveis em 2016, assim como neste ano, até agosto. Apesar desse salto, a despesa com pessoal não foi reduzida no período analisado, o que indica um aumento no número de trabalhadores dentro do espaço universitário. No orçamento do Museu, não aparece este tipo de despesa.
A análise das despesas por fonte de recursos da UFRJ, como unidade orçamentária, demonstra que, em média, 98% das despesas da Universidade são custeados por repasses do Governo Federal, enquanto apenas 2% são supridos por recursos oriundos da receita própria, como aluguéis, taxas de inscrição em concursos, convênios, entre outros. Enquanto que, no Museu Nacional, em média, 92% dos gastos são supridos por repasses, em sua maioria recursos destinados à manutenção do desenvolvimento do ensino. Os demais 8% são recursos relacionados a fontes classificadas como receitas próprias. Neste quesito, chama atenção que, em 2016, 71% das despesas foram custeadas com recursos advindos de repasses e 29% pela receita diretamente arrecadada. Além disso, no exercício de 2017 e até o mês de agosto de 2018, 100% das despesas foram custeadas por repasses federais.

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